Em 17 de outubro, o Correio Braziliense publicou fotos mostrando um homem nu e preso. Segundo a reportagem, as fotos seriam de Vladimir Herzog, e teriam sido tiradas no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo, pouco antes de sua morte. Como se sabe, Herzog era diretor de jornalismo da TV Cultura e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e se apresentou para um depoimento no DOI-CODI, sendo então, brutalmente assassinado em uma sessão de tortura, há 29 anos, no dia 25 de outubro de 1975.

Depois da morte do jornalista, os agentes da repressão apresentaram uma foto de Herzog morto, com o cinto no pescoço, e tentaram convencer a população de que ele havia se suicidado.

A farsa não convenceu ninguém, e detonou uma das primeiras grandes manifestações contra o regime. O culto ecumênico realizado em homenagem a Vlado, reuniu quase 10 mil pessoas na Catedral da Sé, em São Paulo. Anos depois, a música O Bêbado e o Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, virou hino na luta pela anistia e pelo fim da ditadura, ao se referir, dentre outras pessoas vitimadas pelos militares, a Clarice Herzog, viúva do jornalista.

Não por acaso, a publicação das fotos revoltou amplos setores da população. A memória de Vlado está profundamente identificada com a luta pela liberdade. Que o exército não compartilhasse dessa opinião já era previsto. O que muitos não gostariam de acreditar é que Lula e seus companheiros no poder também tenham mudado de opinião.


Uma nota nojenta

No dia 19, o Centro de Comunicação Social do Exército fez circular uma nota defendendo a ditadura e “justificando” a tortura e os assassinatos praticados pelos militares. Depois de afirmar que as Forças Armadas atuaram “obedecendo o clamor popular”, a nota defendia que “as medidas tomadas pelas Forças Legais foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade”.

Se isso não bastasse, o documento também afirmava, em relação às mortes, que “não há documentos históricos que as comprovem”. No final, a nota pregava a necessidade de seguir em frente “sem ressentimentos” e que “a reabertura de feridas que precisam ser, definitivamente, cicatrizadas”, poderiam “reavivar revanchismos”.

A nota abriu uma crise e fez com que Lula convocasse o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque e o ministro da Defesa José Viegas, para publicar uma nova nota. Bastante evasivo, contudo, o novo pronunciamento apenas admitia que “a forma pela qual o assunto foi abordado não foi apropriada”.


O governo Lula encobre os militares

De lá para cá, muita coisa ocorreu, inclusive o questionamento de que a pessoa na foto seja realmente Herzog. Para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) o homem que aparece nas fotos é Leopoldo d’Astous, um padre canadense que viveu no Brasil e foi preso em 1974. Já Clarice Herzog sustenta que pelo menos uma das fotografias é realmente de seu marido.

O governo desde a publicação da segunda nota insiste em dar o episódio por encerrado. Contudo, independentemente de quem sejam as fotos, esta história está longe de ser fechada. Serviu para desmascarar mais uma nefasta faceta do governo: sua criminosa conivência com os assassinos da ditadura.

Até mesmo a jornalista Tereza Cruvinel, do nada esquerdista O Globo, afirmou, na sua coluna publicada no dia 20, que todo o episódio “só aconteceu porque o atual governo, repetindo os que o antecederam, cultua o silêncio sobre os crimes da ditadura” e devido à “opção do governo Lula por evitar toda apuração dos crimes da ditadura”.

Desde que as imagens foram publicadas, são sucessivas as declarações do governo na tentativa de abafar qualquer investigação e punição dos culpados. Zé Dirceu chegou a pedir “serenidade para evitar o revanchismo”.