...
1917
Mandato de despejo aos mandarins do mundo
Fora tu, reles esnobe plebeu E fora tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade e tu, da juba socialista, e tu, qualquer outro
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles Todos!
Monte de tijolos com pretensões a casa Inútil luxo, megalomania triunfante E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral Que nem te queria descobrir
Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular Que confundis tudo Vós, anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
Para quererem deixar de trabalhar Sim, todos vós que representais o mundo
Homens altos Passai por baixo do meu desprezo Passai aristocratas de tanga de ouro Passai Frouxos
Passai radicais do pouco Quem acredita neles? Mandem tudo isso para casa
Descascar batatas simbólicas
Fechem-me tudo isso a chave
E deitem a chave fora Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar Abram todas as janelas Abram mais janelas Do que todas as janelas que há no mundo Nenhuma idéia grande Nenhuma corrente política
Que soe a uma idéia grão E o mundo quer a inteligência nova A sensibilidade novaO mundo tem sede de que se crie
Porque aí está apodrecer a vida Quando muito é estrume para o futuro O que aí está não pode durar Porque não é nada Eu da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar Eu da raça dos descobridores Desprezo o que seja menos
Que descobrir um novo mundo Proclamo isso bem alto Braços erguidos Fitando o Atlântico
E saudando abstractamente o infinito.
(Álvaro de Campos, em 1917).
Álvaro de Campos, Lisboa[1], 13 ou 15 de Outubro[2] de 1890 — 1935) é um dos heterónimos mais conhecidos, verdadeiro alter ego do escritor português Fernando Pessoa
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